11.9.11

Crónica de uma operação falhada

Texto de José Raimundo

[...] A manhã estava fresquinha e o orvalho existente na vegetação ia penetrando pelo camuflado, mas o sol começava a raiar tornando aquela caminhada silenciosa em algo surreal, pois ninguém dizia fosse o que fosse, e a coluna movimenta-se como sombras ora mais rápida em campo aberto ora mais lenta em zona densamente arborizada ou com muito capim. Cerca das sete da manhã a coluna parou. Que aconteceu, perguntam lá de trás, nada, responde-se da cabeça da coluna, apenas temos um milheiral pela frente. O Tubarão, elemento que seguia na cabeça da coluna ao sair de uma zona arborizada depa
ra-se com uma plantação de milho de grande extensão e parou. Chamou o Raimundo à frente o qual observou o milheiral que teria forçosamente mais de dois metros de altura e concluiu que o melhor para seguir em frente era atravessar a plantação, solução que foi aprovada pelo Capitão e a marcha seguiu. A companhia esteve toda dentro do milheiral e cerca de 100 homens em fila indiana ainda representam uns bons metros podendo-se aquilatar por aqui a extensão daquela plantação. À medida que iamos avançando no atravessamento do milheiral começamos a distinguir uns sons os quais estavam cada vez mais próximos e que eram nada mais nada menos do que vozes de homens conversando animadamente. Feita a respectiva transmissão para a traseira da coluna, no sentido de haver o máximo cuidado e evitar todo e qualquer barulho fomo-nos aproximando do fim do milheiral. Quando a cabeça da coluna aí chegou, Raimundo e Tubarão pararam, agacharam e mediram a envolvência. A mata desenrolava-se novamente a cerca de cinco-dez metros do fim da plantação do milho, pelo que haveria de se ter o maior cuidado na travessia do campo descoberto. À esquerda do local onde atingimos a orla do milheiral havia uma espécie de banca, com alguma dimensão, repleta de abóboras e outros produtos agrícolas que certamente estavam ali a secar. As vozes ouviam-se mais para a esquerda dessa banca, mas deveriam estar a uma distância relativamente curta tal a nitidez com que se chegavam até nós.
Com o máximo cuidado mas também com a rapidez possível numa situação daquelas embrenhamo-nos na mata tendo toda a coluna feito a transposição sem qualquer problema. As vozes iam agora desaparecendo aos poucos e poucos. E também pouco a pouco a companhia foi avançando na mata rumo ao objectivo. O sol começa a apertar e o ritmo da marcha abrandava um pouco. Perto da oito da manhã chegamos ao local onde em tempos, por altura da operação Nó Górdio, tinha estado estacionada uma bateria de artilharia, pelo que aproveitando o local, foi dada ordem de paragem para descansar. O pessoal espalhou-se pelo terreno, aproveitando os “buracos” dos obuses ou estendendo-se ao longo de um trilho que ali passava, e enquanto uns apenas descansavam outros comiam, outros dormiam ou pelo menos tentavam e outros ainda, escondendo-se nas traseiras de qualquer árvore ou arbusto ali existente satisfaziam as suas necessidades fisiológicas. O local onde tinham estacionado os obuses era, como não podia deixar de ser, uma clareira, onde apenas alguns arbustos e capim tinham crescido naquele espaço, pelo que dada a sua largueza foi aproveitado pelo Capitão e pelos furriéis para fazer uma breve “reunião” tendo em vista o ponto de situação, finda a qual cada um voltou à sua posição.
[...]
Escrito 39 anos depois dos acontecimentos.

Texto de José Raimundo


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