7.8.05

A Linha de Produção

... O que me perturba, é a memória do contentor a subir, como num filme mudo, no porto de Lourenço Marques, enquanto os soldados desciam do navio. O guindaste maneta, como uma aranha gigante com um braço apenas, metálico e desmesurado, segurando, não bem um contentor, mas uma pilha de caixas, cujas formas o oleado pressionado pelo vento deixava adivinhar...


De autor não identificado in Companhia de Moçambique

... Ontem chegou a Mueda uma coluna de reabastecimento com uma companhia que vamos escoltar para Omar. Checas, com o seu camuflado novo.
O olhar dos soldados acabados de chegar ao mato, à defesa, como que envergonhados. Envergonhados da sua inexperiência, por ainda não terem sentido medo a sério; envergonhados por não terem ainda matado ninguém; envergonhados da sua farda ainda não suficientemente surrada com os horrores e a ignomínia da guerra. O olhar deles, como o nosso há apenas uns meses atrás, à defesa, lendo a tabuleta, em mau português, pendurada na árvore: "Benvindos a Mueda, terra da guerra. Aqui trabalha-se, vive-se e morre-se. Checa é pior que turra." ...


Posted by Picasa

... Eu também, à socapa a ficar para trás à espera que as coisas serenem, para levantar o oleado e ver o que levava o navio de volta para a Metrópole. "Caixas" dissera o Silva, e lá vai ele ao longe; uma farda anónima entre fardas anónimas, numa fila, descendo a escada, e depois no cais, avançando até uma barreira metálica onde se controla a saída dos soldados. Uma longa e sinuosa linha de produção de soldados; eles a saírem do navio e por cima das suas cabeças, mais uma volumosa pilha de caixas a entrar. Dá ideia que se trata de uma fábrica gigantesca: a matéria-prima em bruto num sentido e o produto já embalado em sentido contrário...

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