20.8.07

Os Sonhos dos Nossos Filhos

Com que sonham eles? Terão herdado os nossos sonhos? Com que livros caminham, com que música voam? Que distância os separa de nós?
Ainda fazem sentido para eles as bandeiras que erguemos? Ainda ouvirão os tiros que demos? E o amor que fizemos?
Quando foi que nos distraímos e os deixámos crescer? Fomos nós que os perdemos ou foram eles que nos perderam a nós?
Com sorte, encontrar-nos-emos por aí. A meio de um livro, seria esperar muito?
Talvez possamos encontrá-los numa canção. Esta é uma amostra das canções que ouvem. Tentar entender as suas inquietações pode ser um passo para ajudar a encurtar a metade do caminho que nos cabe a nós percorrer.

Para ouvir, faça stop no leitor media player na barra lateral do blog e faça play neste

Dave Matthews Band

Os Sonhos dos Nossos Pais
(tradução livre)

Oh, eu sufoco, eu sufoco,
No fumo desta casa em chamas.
Arranho e esgravato
Mas não consigo sair daqui.
Mas quem há-de ser, quem,
Que esgravata o chão?
Oh, é o meu mundo, claro,
Mas de quem é este ouro que desenterro?

Quando vamos, para aonde vamos
Quando estivermos mortos?
A sentença ainda é válida?
Ainda estamos na fila
A seguir aos que já morreram há muito,
Com as lágrimas de dor abafadas,
Os ossos enterrados?
Já chegou a nossa hora?
Já chegou sim,
Sem apelo nem agravo.

Não quero acordar
Perdido nos sonhos dos nossos pais.
Oh, é um desperdício puto,
Viver e morrer pelos sonhos dos nossos pais.
Embora deva confessar, sim,
O meu espanto sobre este,
Este amor que sinto, amor.
Devem ser os sonhos dos nossos pais.

Quero partir, quero fugir.
Mas voltamos por saber que nos reprovam.
Estou a ser perseguido, perseguido.
Larguem-nos, libertem-nos.
Mas não acredito, não acredito,
Que este sabor na boca
Seja apenas a língua,
Tão amarga que quero cuspi-la.

Repito estas palavras,
Saem cá para fora
Sob a luz azul do céu,
Encho as folhas em branco
Com estas torpes mentiras,
Mas ouço no fundo de mim
Um eco, um eco,
De vácuo… vácuo… vacuidade,
Que vomito e engulo.

Não quero acordar
Perdido nos sonhos dos nossos pais.
Oh, é um desperdício puto,
Viver e morrer pelos sonhos dos nossos pais.
Embora deva confessar, sim,
O meu espanto sobre este,
Este amor que sinto, amor.
Devem ser os sonhos dos nossos pais.

Chove-me na cabeça.
Chove-me na cabeça.
Chove sobre mim.
E então respiro.
Chove me no amor.
Chove mais e mais.
Porque não consigo tirar-te dos meus sonhos?

Olha aqui, olha aqui,
Inchado, boiando
De pança para baixo,
De pança para cima, na água.
Mas quem é que se está a afogar?
Fomos atrás de um bêbado
E ele pegou-nos a bebedeira,
Mas é como se ele tivesse bebido o juízo
E nós ficássemos sem saída.

Não quero acordar
Perdido nos sonhos dos nossos pais.
Oh, é uma pena puto,
Viver e morrer pelos sonhos dos nossos pais.
Embora deva confessar, sim,
O meu espanto sobre este,
Este amor que sinto, amor.
Devem ser os sonhos dos nossos pais.

Este amor que sinto, amor.
Devem ser os sonhos dos nossos pais.
Este amor que sinto, amor.
Devem ser os sonhos dos nossos pais.
Este amor que sinto, amor.
Deve ser o amor dos nossos pais.

Este amor que sinto, amor.

1.8.07

Prefácio Para Um Livro Qualquer

[...]
Nessa idade eu tinha poucas dúvidas e tudo fazia sentido para mim nesta vida, por isso encarava aquele portão, estoicamente no seu posto, como algo de transcendente que eu nem me atrevia a questionar; tal e qual um fiel devoto perante os dogmas da sua religião.
Uma vez por ano, quando o meu avô ia buscar a carrada de mato àquele pinhal perdido numa encosta da Serra do Buçaco, eu erguia-me antes da curva da estrada para ver se o portão ainda lá estava, interrompendo o caminho que dava acesso à seara. Será que as pessoas paravam junto ao portão, o abriam, como quem abre a porta de armas de um quartel e depois o transpunham e fechavam de novo, para impedir os intrusos de devassarem a propriedade alheia, apesar de toda a seara em redor estar completamente desimpedida?
– Avô, para que serve aquele portão? – Atão, prá 'brir e fechar, no é? E eu ficava a magicar… Que mundos invisíveis, que universos paralelos, que prodígios se nos revelariam ao atravessarmos aquele portão; tal como o delirante País das Maravilhas estava para lá do espelho da Alice?
Nunca consegui convencer o meu avô a parar para eu experimentar passar pelo portão, só para ver o que acontecia. Mas o cavalo resfolegava sempre logo a seguir à curva da estrada, talvez sentindo algo oculto ao entendimento humano, e imediatamente a rela do meu avô acordava-o para as coisas deste mundo.
Entretanto cresci e fui perdendo todas as certezas que tinha. Deixei de ir com o meu avô buscar o mato. Depois o cavalo morreu. Depois houve uma guerra e eu fui combater. Depois houve uma revolução e a guerra acabou. Depois o meu avô morreu também.
Acho que o mundo todo se modificou e nem uma só certeza de criança me acompanhou pela vida fora.
[...]

Ler o texto completo no Jornal Elo da ADFA que afinal ainda não tirou férias este ano.