25.5.07

Encontro de Veteranos

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Encontro da CART 3503 em Pardes no dia 28-04-2007


Para onde vão os sonhos quando morrem?

Para onde vão todos os projectos abandonados, todas os desejos e ilusões que um dia eram certezas e de que agora nem nos lembramos já? Quem souber que diga.

Há dias em que o passado nos visita como um intruso que surge do nada, quando uma alegria súbita e incompreensível nos ilumina todo o ser ou uma tristeza inesperada nos deixa de repente na mais dolorosa sombra.

Porém, há dias que somos nós que vamos ao encontro do passado como quem decide entrar no sótão da casa velha dos nossos avós, pela razão tão simples de o sótão ter permanecido fechado tanto tempo que sentimos curiosidade em saber o que lá se guarda ainda.

Uma ave qualquer, de que não sei o nome e que nada tem a ver com isto, crocita um lamento tristíssimo para os lados do Espírito Santo e o arfar de um helicóptero que deve dirigir-se para os HUC traz-me de volta, no mesmo instante, ressonâncias de África.

Ao cimo da encosta, as árvores inquietas com o vento. No andar de baixo os vizinhos a rirem de vez em quando. E o pássaro crocita, crocita. Pode haver mais tristeza no canto de uma ave sem nome do que no coração de uma viúva.

O carro do lixo desce a calçada da antiga estrada do Tovim num estardalhaço despropositado que me impede de pensar seja no que for durante cerca de dois minutos. Só consigo relembrar os rostos, os sorrisos e algumas frases entrecortadas que ressuscitaram, à mesa do jantar, uma parte de mim que já havia morrido há muito.

Afinal aquela mão no meu braço enquanto o helicóptero não vinha, era o enfermeiro Costa. Eu a julgar que tinham demorado horas a evacuar-me e não foram muito mais de vinte minutos.

Eu tinha frio. Eu tinha tanto frio e afinal o sol fritava os miolos dentro da cabeça de todos os soldados.

E não havia nenhuma música dos Doors enquanto o helicóptero descia na picada e no entanto, durante todos estes anos eu recordo a voz do Jim Morrisson a dizer-me: "Isto é o fim, meu belo amigo. Isto é o fim, meu único amigo, o fim. Custa deixar-te ir, mas não voltarás a acompanhar-me. É o fim do riso e das mentiras piedosas. É o fim das noites em busca da morte. Isto é o fim." E uma guitarra de cordas tangidas como nervos doridos ficou a soar para sempre dentro do meu peito.
[...]

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17.5.07

Não me Atirem Flores

Alguns vieram. Felizmente muitos. De certo modo os que vieram foram os que sofreram mais, ou pelo menos mais tempo. É por isso que as palavras se recusam por vezes a sair. As palavras explícitas, aquelas que ao serem ditas ferem tanto como aquilo que nomeiam. Mas há coisas que não têm nome. É isso que fica no espaço entre as palavras. Foi para isso que o Homem inventou a poesia e a música: para dizer o que ainda não tem nome mas que se sente tão bem. Não procurem tratados ou obras-primas para sentirem a dor dos que sofreram, procurem antes entre as palavras e entre as linhas o que ainda não tem nome para ser dito.

O Caseiro veio. Esteve lá e veio. Deram-lhe um império inteiro para defender e ele defendeu a parte que lhe coube, como todos nós. Talvez o Caseiro não mereça flores por ter cumprido o seu dever; flores decerto não, mas merece, o Caseiro e todos nós, que um dia tivemos uma arma na mão, o respeito por termos posto a nossa juventude nas mãos de quem nos convenceu que era nosso dever lutar.


As palavras possíveis do Caseiro, que eu publico hoje, são para ser lidas devagar. Para se entenderem bem os silêncios.


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Não me atirem flores
Tenho uma arma na mão
Estou com muitas dores
E um aperto no coração
[...]
© J. Caseiro