11.9.10

A Noite



Texto de José Caseiro - Fur. Mil da CART 3503

O dia já ia longo, a noite aproximava-se rapidamente, estava a começar a escurecer; estávamos em pleno mato, tínhamos que pernoitar ali, mas o local não era o mais indicado.
Há que procurar um lugar seguro para pernoitar; um lugar distante dos trilhos e que nos oferecesse uma boa camuflagem para não sermos detectados pelo IN.
Encontrado o lugar há que proceder às regras de segurança, fazer o círculo, nomear o primeiro que iria ficar de vigia e, mediante o número de pessoas se estipulava o tempo de vigia. Assim procedia a CART 3503, não facilitando em nada nos momentos vividos no mato.
Entretanto eu ia analisando o terreno, procurando um bom local para fazer uma boa cama, com um colchão de terra batida e o mais plano possível para no dia seguinte não acordar com o corpo todo dorido.
Enquanto preparava a cama a minha companheira esperava tranquilamente para se deitar comigo, que bela companheira eu tinha. O quanto eu gostava dela, gostava tanto dela que andava todo o dia com ela ao colo; tinha um carregador de 20 munições e mais uma na câmara, sempre pronta a disparar a qualquer momento que fosse necessário. Companheira que sempre me acompanhou nos momentos difíceis que eu passei em Mueda e que a abandonava no quarto da flat para ir para o bar dos sargentos desfrutar um belo descanso com umas cervejas, umas anedotas, uns cigarros, um jogo de cartas. E mais umas cervejas, e já noite, ao regressar ao quarto, um pouco alegre, para não dizer borracho, ela nunca reclamou, sempre ali esperando por mim á cabeceira da cama.
Mas naquela noite, ali no mato, como era de costume, deitou-se ao meu lado, a contemplar a lua e as estrelas, e como era hábito também, desejando que no dia seguinte não fosse necessário ser usada.
A noite estava a ser calma, quando de repente alguém salta, se sacode, se despe, todos acordam e a perguntar o que foi? Esse alguém era o soldado A, B ou C que com o cansaço adormeceu sem que tenha atirado para longe a lata com restos de comida da ração de combate, o que para as formigas era um rico banquete.
Formiga, animal tão pequeno, que nos fazia ter um enorme respeito por ela, que só quem lá andou sabe o quanto elas nos faziam sofrer quando resolviam subir pelas nossas pernas acima e nos ferrar nas partes mais sensíveis, era cá uma aflição que por vezes éramos obrigados a despir as calças para nos livrarmos delas, mas só do corpo, porque a cabeça ficava lá agarrada.
Muitas noites no mato foram passadas; noites quentes, noites de cacimbo, noites de chuva, onde o melhor seria dormir de pé, se pudesse ser; com um colchão ondulado, plano, com covas, com pedras… mas lá passávamos a noite dormindo.
Hoje, quando se vai a qualquer lado, como não podemos levar a nossa cama, lá passamos uma noite quase em branco, porque estranhamos a colchão ou o travesseiro. Como somos esquisitos agora, quando naquele tempo já nos bastava não ser incomodados a tiro quando dormíamos; onde estávamos deitados não importava.
E assim o tempo vai passando, as recordações vão aparecendo de longe em longe e fazem-nos reviver esta ou aquela situação, fazendo-nos revisitar a nossa passagem pelas terras do ultramar e pela Guerra de África.


Texto de José Caseiro - Fur. Mil da CART 3503