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Nessa idade eu tinha poucas dúvidas e tudo fazia sentido para mim nesta vida, por isso encarava aquele portão, estoicamente no seu posto, como algo de transcendente que eu nem me atrevia a questionar; tal e qual um fiel devoto perante os dogmas da sua religião.
Uma vez por ano, quando o meu avô ia buscar a carrada de mato àquele pinhal perdido numa encosta da Serra do Buçaco, eu erguia-me antes da curva da estrada para ver se o portão ainda lá estava, interrompendo o caminho que dava acesso à seara. Será que as pessoas paravam junto ao portão, o abriam, como quem abre a porta de armas de um quartel e depois o transpunham e fechavam de novo, para impedir os intrusos de devassarem a propriedade alheia, apesar de toda a seara em redor estar completamente desimpedida?
– Avô, para que serve aquele portão? – Atão, prá 'brir e fechar, no é? E eu ficava a magicar… Que mundos invisíveis, que universos paralelos, que prodígios se nos revelariam ao atravessarmos aquele portão; tal como o delirante País das Maravilhas estava para lá do espelho da Alice?
Nunca consegui convencer o meu avô a parar para eu experimentar passar pelo portão, só para ver o que acontecia. Mas o cavalo resfolegava sempre logo a seguir à curva da estrada, talvez sentindo algo oculto ao entendimento humano, e imediatamente a rela do meu avô acordava-o para as coisas deste mundo.
Entretanto cresci e fui perdendo todas as certezas que tinha. Deixei de ir com o meu avô buscar o mato. Depois o cavalo morreu. Depois houve uma guerra e eu fui combater. Depois houve uma revolução e a guerra acabou. Depois o meu avô morreu também.
Acho que o mundo todo se modificou e nem uma só certeza de criança me acompanhou pela vida fora.
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Ler o texto completo no Jornal Elo da ADFA que afinal ainda não tirou férias este ano.
2 comentários:
perdoa, Maenel: não será prefácio?
bom fds
depois leio
obrigada pelas palavras com música :)
Claro que é. Eu e o FLip q tenho instalado devemos ser ambos disléxicos, mas obgdo pelo alerta.
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