15.6.07

Batismo de Fogo

A CART 3503 chegou com cerca de cento e cinquenta militares a Mueda. À medida que nos íamos aproximando daquele fim-do-mundo é que ficávamos a saber realmente o que nos esperava e nessa medida também, íamo-nos sentindo cada vez mais sós, até tomarmos consciência que éramos apenas cada um de nós e a morte.
Apenas o conforto de sabermos que éramos cento e cinquenta pessoas a sentirem o mesmo. Como seria se estivéssemos sós, também fisicamente? Eu não sei. Mas o então Capitão António de Almeida sabe.
Um militar acabado de ser treinado para comandar tropas em zona de cem por cento, como então se dizia dos locais onde a probabilidade de não andar constantemente aos tiros e a rebentar minas, era nula. Era para aí que o Cap. Almeida ia. Para comandar uma companhia de militares cansados de guerra e de capitães que, ou tinham sido feridos, ou conseguiram que aquela percentagem de contacto directo com o inimigo decrescesse confortavelmente, pelo menos para eles.


Eu não conheci o Cap. Almeida porque uma mina anti-pessoal adiou para mais de trinta anos depois o primeiro encontro com ele, mas para nos pormos na sua pele basta ler o seu testemunho:



- - - §§§ - - -



As mulheres agarram as crianças, gritam, lançam-se nas valas que ladeiam as ruas. Os soldados desaparecem em direcção aos respectivos postos de combate. E o capitão... atónito, parado no meio da rua, ao volante do jipe, sem saber que fazer, nem compartilha daquela fuga desordenada das crianças que antes brincavam ou dos soldados e mulheres que bebiam...até que um estrondo mais forte e muito próximo, fê-lo saltar do jipe e correr, correr...

[…]
Fora a estreia de fogo, sem dar um único tiro. «Que fazer» - interrogando-se olhando as estrelas. O decurso do tempo haveria de lhe mostrar que o homem é um «bicho» capaz de suportar, até à morte, as situações mais adversas; apesar daqueles que não as aceitam...

© António Almeida

Sem comentários: