13.4.07

A chegada a Mueda

A Companhia de Artilharia 3503 foi o que os seus homens foram. Todos sem excepção. E cada um de nós acabou por ser um pouco aquilo que foi cada um dos restantes. É isso a camaradagem. Palavra de ressonâncias militares que significa hoje muita coisa, mas para mim significa o último cigarro partilhado por todos, a última lata de conserva que não matava a fome a um e que dava para todo o grupo de combate, a eminência da morte no olhar de um amigo, a mão a apertar-me o braço enquanto o helicóptero não vinha. ‑Coragem furriel, coragem.

O alferes Silvestre era um desses camaradas. Foi o primeiro comandante da companhia, porque fomos para a guerra sem capitão. Depois veio um capitão mas apenas por algum tempo e o alferes Silvestre voltou a ser o comandante. E depois outro e outro, mas o alferes Silvestre continuou sempre lá. Foi ferido gravemente e voltou. O alferes Silvestre voltou sempre. Posso dizer que foi o nosso comandante várias vezes, enquanto os capitães iam faltando. Tantas vezes, que para todos os homens ele é que era o nosso comandante. O verdadeiro comandante da CART 3503. Tenho a certeza que se nos pedissem para procurar uma palavra para o definir, a palavra mais escolhida seria "camarada". E ser camarada é isso também: voltar sempre a ser um de nós.

É dele o trecho que publico hoje. O espanto e a inocência dos "checas" a chegarem ao mato.
Tudo iria mudar para todos a partir dali e nenhum de nós jamais sairia de lá como entrou.



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6 de Fevereiro de 1972, Porto Amélia

Vista do barco uma baía linda, enorme e a cidade a subir a partir do cais. Fomos saindo do barco de olhos bem abertos e sentidos alerta à espera da guerra e de súbito uma recepção inesperada e ensurdecedora abateu-se sobre nós. Formando duas filas por onde nós teríamos que passar, grupos de homens sujos, roupas em farrapos, cabelos e barbas compridos, olhos esbugalhados e parecendo deitar sangue, gritavam e saltavam como loucos à nossa volta, abraçando-nos e chamando-nos checas. Eram os elementos que sobravam da 2730, companhia que íamos substituir.
[...]
Aqui, um grande ataque inesperado e diferente, tão diferente que apesar de todos os treinos em Portugal, ninguém nos tinha preparado para este. Um enxame de abelhas africanas que terá sido incomodado por alguma das nossas viaturas resolveu vingar-se e cada um fugiu como pode, os que não tiveram tempo chegaram a correr perigo de vida e foram evacuados de helicóptero para Mueda.

Recompostos, seguiu a coluna enfrentando agora novas dificuldades, as chuvas tinham deixado a picada em péssimo estado, pelo que o avanço das viaturas era extremamente difícil.


12 de Fevereiro de 1972, Mueda

Finalmente, as primeiras viaturas entraram em Mueda em 12 de Fevereiro de 1972 e as restantes no dia 13.

À entrada uma grande placa de madeira dava-nos as boas – vindas


© A. Silvestre



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