30.3.10

Dor Fantasma em LISBOA


textos MANUEL BASTOS

direcção MÁRIO TRIGO

co-produção teatromosca e Teatro Focus

interpretações de Filipe Araújo e Susana Gaspar.




Casa Conveniente
Rua Nova do Carvalho n. 11
1200-291 Cais do Sodré
(em frente ao Jamaica)

Depois de ter estreado no Porto, no Estúdio Zero, em Novembro do ano passado, depois da apresentação em Sintra, na Casa de Teatro de Sintra, em Janeiro deste ano, o espectáculo "Dor Fantasma" é reposto, agora em Lisboa, de 26 de Abril a 2 de Maio, de segunda-feira a domingo, sempre às 21.30h, na Casa Conveniente, no Cais do Sodré. Partindo de textos do ex-combatente Manuel Bastos, com direcção de Mário Trigo, o espectáculo conta com interpretações de Filipe Araújo e Susana Gaspar.

15.3.10

O Contágio da Felicidade

Ler o texto completo aqui

[...]
Como eu nunca mais lhe olhei para as fuças, ele um dia destes no trabalho todo daimoso: "Em acabando isso vem falar comigo que te enganaste nesta venda-a-dinheiro." E eu: "Se tens alguma reclamação, fala com o patrão." E aquele javardo ao depois passou por mim e resmordeu: "Tu és boa é a encher pipas ao alto." Aquele untuoso, aquele filho duma cadela, que Deus me perdoe, que a Ti Adelaide que Deus tem era uma santa.
Acho que não devia estar a escrever estas coisas no meu diário, alguém pode um dia ler isto, e de mais a mais, agora o que eu faço de melhor é pôr tudo para trás das costas, que remédio.
Eu queria esquecer tudo o que se passou mas parece-me que toda a gente sabe. Em primeiro achei que ninguém sabia mas ao depois fiquei desconfiada que ele se gabou aos amigos do copo, que parece que têm visco no olhar e estão sempre na caçoada quando passam por mim e que até parece que me comem com os olhos. Aqueles moinantes hão-de futurar lindas coisas a meu respeito. Um botou-me uns olhos manhosos e disse para eu ouvir: “Será q’anda esponque?” Que ele é um bêbado sempiterno, um boca de favas que não dá uma para caixa; que o que ele queria dizer era "suponha que", que é como se diz pranha em Aguim. Aquele labrego. Para salvação da minha alma eu andava prevenida, senão tinha-me desgraçado.
Ainda se se dissesse: Ah, ela tinha falta de sexo e queria era deboche, mas não, eu namorava com o Adelino e tinha tudo o que queria dele; fui é apanhada de surpresa no meu ponto fraco. Mas não é o ponto fraco de todas as mulheres? Mas sabe Deus e eu em como eu antes preferia morrer do que ter prazer, só nojo e dor; que ainda sinto raiva por ter deixado perceber que gozei com as brutidades daquele porco roncolho, mas as forças foram-se-me não sei para onde, e eu fiquei de joelhos a ganir sem fôlego à frente do carro.
Na Terça e na Quarta fiquei em casa, mas na Quinta voltei à festa e foi nesse dia que reparei no Zé. Aqueles olhos ternurentos postos em mim, e eu deixei-me sorrir para ele – que ainda estou para saber porquê.
O Adelino a atazanar-me a paciência e eu a dizer-lhe: "Deslarga-me, vai fazer companhia àquela delambida com quem estiveste na Segunda-feira, e eu à tua espera." Ele a desfazer-se em desculpas e eu cá para mim: "Está bem deixa, daqui não levas mais nada." Que eu até andei embeiçada com ele, e ó mais, nunca me faltou com nada, e até é filho do patrão e tudo, mas não é homem de uma mulher só.
E fui-me achegando para o Zé, um passinho de cada vez. E ele a ficar corado, sem saber onde por as mãos, mas a dar passinhos no meu endireito também. Quando estávamos ao lado um do outro, ele para mim: "Está uma noite primorosa." Ó meu Deus, onde vai ele buscar aquelas palavras?
Mas eu senti uma alegria dentro de mim como se me tivessem dado uma prenda, um ramo de flores; nem sei explicar bem. O tratos que ele não deve ter dado à cabeça para se sair com aquela palavra ali do pé para a mão, só para me impressionar, e eu disse-lhe: "Está uma noite linda para começar um romance."
E assim Deus me dê saúde em como aquela noite foi a primeira noite do nosso romance.
Olhei para ele e perguntei-lhe se queria dançar comigo. Ele ficou tão atarantado que me apeteceu rir. Pegava na minha mão com as pontas dos dedos como se tivesse medo de me magoar, então eu agarrei a mão dele com a minha mão toda, e ele todo envergonhado. Envergonhado só por pegar na minha mão.
Fui-me encostando a ele devagarinho para não o assustar, e ele tão feliz, tão feliz, que até parece que me pegou a felicidade.
Aquela foi mesmo a primeira noite do nosso romance. Que o que eu senti, tive logo a certeza que era amor.
Amor é quando a felicidade se pega.


Ler o texto completo aqui

in "Pressistência da Memória"

9.3.10

36º Aniversário do Regresso da CART 3503


Almoço de Convívio
24-Abril-2010

Restaurante "O Chalé"
Rua Central de Vandoma,564
Vandoma
4585-767 VANDOMA


Confirma a tua presença
Até ao dia 15 de Abril para os seguintes contacto:
Manuel Fernando Costa - Telm. 916487132
Restaurante “O Chalé” - Telf. 224160207 - Telm.917179248





Preço por pessoa 35 euros
Crianças até aos 10 anos 50%



EMENTA



Bebidas
Vinhos e Espumantes da adega Cooperativa de Monção Esteva
Águas, Sumos, etc.
............................

Entradas
Delícias de marisco
Bolinhos de bacalhau
Croquetes de vitela
Rissóis de marisco e carne
Pataniscas
Salpicão
Melão
Presunto
Moelas
Rojões
.............................

PRATOS DE MESA

Sopas
Canja
ou
Creme de legumes
………………

Prato de peixe

Bacalhau Gratinado

……………

Pratos de Carne

Cabrito
ou
Vitela Assada com arroz de forno
Saladas mistas

.......................

BUFFET DE SOBREMESAS

Fruta Laminada
Pudim Francês
…………….
Bolo
Bolo da companhia
Champanhe
Cafés
Digestivos
………………

Ceia
Caldo Verde

3.3.10

O Rapaz de Aveiro

Texto de José Caseiro

Estávamos em Janeiro de 1971, provavelmente nos cruzamos na parada, ou no bar dos recrutas do R.I.7 em Leiria, até os nossos pelotões, quem sabe, se cruzaram, só que eu passado três semanas segui para as Caldas da Rainha para o curso de sargentos e ele lá ficou.
Passados vários meses e ainda no ano de 1971, só que agora no mês de Novembro já em Viana do Castelo, de vários rapazes que nos foram apresentados lá estava o rapaz de Aveiro, que era um dos quatro enfermeiros que iam fazer parte da CART. 3503.
Em Fevereiro de 72, chegados a Moçambique, precisamente a Mueda o rapaz de Aveiro foi colocado no meu pelotão. Das constantes saídas para a picada e para o mato, que nos deu a conhecer a maravilhosa beleza do planalto de Miteda, mais conhecido pelo planalto dos Macondes, nasceu uma amizade – não uma amizade de estarmos todos ali a defendermo-nos uns aos outros – mas aquela amizade que permite partilhar os bons momentos e desabafar os maus.
No mês de Maio de 72 fui evacuado para Nampula por motivos de saúde e no período que estive no H.M.N. até á 3ª semana de Junho, muitos azares teve a CART. 3503. Tivemos mortos e feridos graves, de entre eles o nosso autor do Cacimbo, que foi ferido gravemente. Hoje ainda recordo aquele dia em que estava no Hospital com a noite a entrar, quando se ouviram os hélios a fazerem-se ao heliporto do Hospital Militar de Nampula e as ambulâncias para lá a dirigirem-se, até que ouvi alguém dizer: "São de Mueda da 3503." Foi uma punhalada que senti no coração, corri para a entrada das urgências para tentar ver alguma coisa, mas ali nada vi, corri tudo que me foi possível, até que na enfermaria dos sargentos através da janela da porta o vi a ser transportado pelos soldados maqueiros de um lado para o outro, sem saberem em que cama o iriam deixar, estando todo nu, com a perna onde foi ferido gravemente a baloiçar. Estava a passar por uma nova situação na sua vida, e com a qual,por certo ainda não sabia como lidar.
Voltei-me para trás porque não me deixaram entrar, quase com as lágrimas a rebentarem, mas ali não podíamos chorar porque dávamos parte de fracos, caminhei um pouco e quando voltei para espreitar de novo e tentar falar com ele, ele já lá não estava, porque não era para aquela enfermaria que tinha que ir mas sim para os Cuidados Intensivos.
Regressado a Mueda logo no dia seguinte fui heli-transportado para Muera onde estava a decorrer uma grande operação. Se à ida para lá tivemos bastantes azares, no regresso, no que respeita a feridos nada tivemos, embora uma viatura tivesse rebentado uma mina anti-carro. O que é certo, é que correu muito bem, comparado com a ida, não pelo facto de eu lá estar, ou quem sabe, talvez sim. Porque é que digo isto? É que passados estes anos todos cheguei à seguinte conclusão: enquanto estive activo em Mueda só tivemos dois feridos graves, o primeiro logo no princípio, éramos chequinhas, e o segundo e último da companhia, já velhinhos e no mata-bicho.
Os restantes feridos graves, tal como os mortos foram todos na minha ausência quer quando estava em Nampula quer nos períodos de férias em que me ausentei de Mueda.
Durante estes períodos não sei qual foi a actividade do rapaz de Aveiro que era enfermeiro, com a missão de socorrer os companheiros, o que eu sei é que era um rapaz muito seguro de si, mas algo de estranho começou a passar-se com aquele rapaz, recordo-o a refugiar-se na leitura, não deixando de ser um bom camarada de guerra.
Chegou o dia em que foi graduado em Furriel, passando a ser um atirador e não um enfermeiro. Se bons amigos éramos enquanto ele era enfermeiro mais amigos ficámos agora que tínhamos o mesmo posto e que partilhávamos um quarto na flat dos Furriéis.
Com o tempo a não querer passar, onde se contavam os minutos e segundos que faltavam para sairmos de Mueda, à noite refugiávamo-nos na escrita para a família e madrinhas de guerra que se arranjavam através da revista plateia. Só que naquela noite o rapaz de Aveiro disse-me: "Hoje vai ser para a leitura, bebida e tabaco, queres acompanhar-me?" Eu respondi que não, o mais que podia ser era fazer-lhe companhia enquanto escrevia para a família e madrinhas de guerra, mas que quando acabasse iria dormir.
Entre ler e escrever a coisa deu até à uma da manhã, mas para ele não era nada pois que já tinha destinado que naquela noite iria meter abaixo nada mais nada menos que uma garrafa de brandy 1920, acompanhado com tabaco e alguma leitura.
Infelizmente, mais algumas vezes repetiu esta dose, porque para este rapaz esta era a única hipótese que via para sair daquele inferno em que vivíamos.
Este rapaz de Aveiro que numa noite bebia o conteúdo de brandy de uma garrafa de 0.75 e só se deitava quando via a garrafa vazia não tinha mais que 22 ou 23 anos.
Era para isto que os senhores da guerra nos roubavam às nossas famílias, para morrermos com um tiro, com uma mina, ou então para morrermos aos poucos com os maus tratamentos que dávamos ao nosso corpo quando estávamos na flor da nossa idade, porque o nosso pensamento era que mais dia menos dia, podia chegar o nosso dia…
E assim iríamos consolados.

© José Caseiro