23.4.08

Tão Tarde pela Madrugada

(Uma breve explicação do 25 de Abril às pessoas muito, muito estúpidas)



Explicação do 25 de Abril – Óleo sobre Tela - 1975



Quando os homens são maiores que o chão que pisam não há limites para a ambição.
Chegara pois o tempo do Infante que via sempre um pouco mais para além do horizonte; um homem que não cabia no chão que lhe deram.
Foi por isso que Portugal ficou maior que Portugal.
Portugal do tamanho da visão de um homem.
Portugal hiperbólico, ubíquo, global.

O Infante ia à frente da História e levava consigo a nação inteira, e a História teve que seguir atrás de Portugal.
Ainda a Europa toda pensava que o mar acabava onde começava o medo, e o Infante inventou o mar para além do medo, e deu-lhe um dono: Portugal.
E Portugal cresceu até onde existia mundo; porém nenhuma pátria é suficientemente grande se não deixar crescer os homens dentro de si.
E também nenhum despotismo é suficientemente eficaz para evitar que um dia os negreiros se transformem em escravos.

E assim chegara o tempo do segundo Infante, o descobridor de Portugal para aquém do medo, o navegador às arrecuas, o anti-Infante.
Já a Europa toda sabia que a Liberdade era a maior dimensão humana, e Portugal ainda cultivava a pequenez do medo.
Portugal implodido, paroquial, microcéfalo, autofágico.

Que imperialista pode ser tão tacanho que a sua ambição ocupe apenas o espaço dentro das próprias botas?
Em Portugal, homens livres, só os que estavam na prisão.
Os jovens combatiam em distantes paragens enquanto os seus pais se sentiam cativos em casa.
Os camponeses abandonavam a terra solteira, partindo como fazem as andorinhas quando já não acreditam na Primavera.

E quando os filhos da pátria regressavam finalmente a casa, a juventude amortalhada de silêncio, o último grito congelado no rosto, traziam, no sítio destinado à alma, o relento pútrido da guerra longínqua.
Um manto de viuvez cobria as aldeias e os campos, e uma dor calada asfixiava a esperança no peito.
Portugal estendido pelo mundo inteiro, e os portugueses dentro de casa com falta de ar.

Mas nenhum tirano pode mobilizar a coragem do seu povo para defender um império distante, e impor que viva cobardemente na sua pátria.
Por isso, não faltaram vozes ocultas a traficarem a esperança nas esquinas cúmplices da noite.
Há sempre quem mantenha o lume aceso, mesmo quando ele esmorece na alma dos homens.
Há sempre quem sopre, sopre de mansinho, como quem passa a palavra, para que no âmago do carvão mais escuro se mantenha uma, ainda que ténue, brasa de esperança.

Que longa que foi a noite. Como tardava a amanhecer. Como é sempre mais difícil dobrar o insignificante Cabo Bojador, dentro de nós.
Porém finalmente os portugueses descobriram Portugal, acordando nele.
É que se não derem uma causa justa a uma geração inteira de combatentes, eles inventam uma.
E nunca as armas foram empunhadas tão rente à poesia.
Nunca antes os soldados combateram dançando com o povo.
Nunca o ar da madrugara tão leve.

E o Adamastor que nos asfixiava de medo transformou-se num rato, temendo a vingança daqueles que anoiteceram oprimidos e amanheceram livres.
Os tiranos tremeram.
Os esbirros assanharam-se inutilmente de pavor.
E os muito, muito estúpidos ainda continuam a perguntar-se porque vieram de repente todos os portugueses para a rua.

Os portugueses apenas navegaram mais uma vez para além do medo.
Os portugueses vieram para a rua só para respirar.

5.4.08

Mueda Revisitada

As mil palavras que valem uma imagem ficam patentes aqui.
É certo que estas imagens estão guardadas dentro de nós; não materializadas em linhas e em cores mas em sentimentos intensos e memórias que a morte, e antes da morte, só a senilidade, há-de apagar.
Mueda das minas e das emboscadas. Mueda da saudade e da morte. Mueda do aldeamento, do China, da Águas… Mueda da nossa juventude.
Na guerra demos todos os humores de que somos feitos: muito suor, algumas lágrimas... e tanto sangue, meu deus; mas demos sobretudo a vida. Quem não a deu toda de uma vez, deu pelo menos uma parte… a melhor. A parte da Juventude.
Mueda não é nossa, se calhar nunca foi, mas nós somos de Mueda. Somos de Mueda não por termos nascido lá mas por lá termos conhecido a Morte, essa grande prostituta que nos seduz, nos domina e que nós vamos enganando como pudemos.
É por isso que às vezes sentimos Mueda chamar.
Alguns respondem a esse chamamento fechando o ciclo da memória, fechando o impossível arco do tempo. Obrigando-o a recuar até onde deixámos as nossas emoções, os nossos sentimentos, parte da nossa vida.

As fotos provam que Mueda existe. Não fossemos pensar que foi um sonho ou um pesadelo.

A viagem fizeram-na João Azevedo e um grupo de amigos. As imagens partilham-nas connosco.
Bem hajam!

Manuel Bastos

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Maputo - Hotel Polana


Maputo - Museu


Maputo - Namaacha

Pemba - Baia


Sagal



As Águas ( A estânia termal de Mueda)



A Picada das Águas


Mueda - Messe de Oficiais



O Edifício do Comando


A Porta de Armas é hoje um memorial ao 2 de Setembro e
uma homenagem ao artista maconde


A Curva da Morte... sinistra, o alcatrão a cobrir o sangue dos mortos


A Picada do Chindorilho - A roleta russa das minas
(Foi aqui a última vez que apoiei os dois pés no chão)


O China

Miss Mueda 1972 - "A filha do China"

A "Avenida" principal de Mueda...

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Traduzir a felicidade deste regresso a terras moçambicanas é de difícil descrição e por isso deixamos em “O Combatente da Estrela” o nosso testemunho fotográfico de um percurso que aconselhamos a todos quantos sintam o mesmo desejo de um dia voltar a este longínquo país do Índico.

Voltaremos? Pensamos que sim.
África e Moçambique chamarão sempre por nós. Ali somos Benvindos.
Kanimambo.

João Azevedo